sábado, 8 de janeiro de 2011

Funções

Do ponto de vista econômico, a ação governamental atende a certas funções básicas. Estas tendem, por sua vez, a afetar os rumos do crescimento e os parâmetros do desenvolvimento econômico. A literatura aponta para três funções básicas:
- função estabilizadora
- função alocativa
- função distributiva.

A função estabilizadora é exercida por meio de instrumentos de política fiscal (forma de gasto do orçamento público e política tributária) e política monetária (política de crédito, interferências na oferta e demanda de moeda e sua influência sobre o nível de juros) de caráter anti-cíclico. Ou seja, a função estabilizadora, por meio da política fiscal e a política monetária, procura minimizar os efeitos dos ciclos econômicos. Os ciclos economicos são as oscilações nos níveis gerais de produto, emprego, renda e nível geral de preços da economia. No Brasil, ao longo dos anos 1980 e grande parte dos anos 1990, o foco da política econômica se centrava principalmente, mas não exclusivamente, na função estabilizadora. Os diversos planos econômicos lançados ao longo desse período refletem nitidamente esta prioridade.

A função distributiva atende a certos preceitos ou critérios socialmente aceitos de distribuição de renda. Sejam ou não efetivas, as políticas de renda levadas a cabo pelo governo do Presidente Lula representaram um bom exemplo da função distributiva. Parte do orçamento do governo foi destinada a programas sociais (Programa Fome Zero, Bolsa Família, Bolsa Escola, etc.) desejados socialmente - haja vista que uma das bandeiras da campanha presidencial foi a busca de combate à fome no país. Durante o governo FHC, esta função, ligada a política de ajuste fiscal, ficou por conta da criação do Fundo Social de Emergência (FSE), lançado antes do Plano Real.

A função alocativa visa desviar a utilização de uma parcela dos recursos da economia (capital, trabalho e recursos naturais diversos) para oferta e ou provisão de bens e serviços tidos públicos. Devido as certas características de mercado, estes bens e serviços não são ofertados na quantidade e ou preços ótimos do ponto de vista social. São exemplos da função alocativa muitos dos programas de governo que afetam seguimentos e ou setores que ofertam infra-estrutura (saneamento básico, transporte, energia e telecomunicações). Devido ao volume de recursos exigidos para execução de projetos, prazos de maturação dos empreendimentos, complementariedades de investimento e externalidades ligadas à oferta nesses mercados, a relação custo-benefício tende a afastar o volume investido do necessário ao atendimento das demandas sociais. Um bom exemplo dessa falha foi a crise vivida pelo setor de geração e distribuição de energia elétrica no ano de 2001 (apagão).
Durante o processo de industrialização por substituição de importações a função alocativa era exercida por meio da produção direta de bens e serviços por parte do Estado. No final dos anos 1980 e durante o início dos anos 1990, com o Presidente Collor, a oferta nesses mercados seria provida de maneira induzida pelo setor privado. Esta prática seria aprofundada na era FHC com as privatizações e criação e introdução de mecanismos de intervenção pública por meio das agências reguladoras (ANP, Aneel, Anatel, etc.).

Como procuro demonstrar, o caráter destas funções depende da orientação do governo quanto a intervenção pública nos mercados (de bens e serviços, de trabalho, monetário, cambial, etc.). Estas tendem a afetar a performance da economia e orientando o volume e fluxo setorial dos investimentos privados em setores prioritários.

Nesse sentido há três orientações teóricas possíveis: ortodoxia, postura moderada e heterodoxia. Cada uma destas é inspirada em uma corrente predominante do pensamento econômico. A rigor, os governos tendem a se inclinar mais ou menos em direção de cada uma dessas orientações de política econômica.
Segundo a vertente ortodoxa os mercados são eficientes e prescindem de mecanismos de intervenção pública. A interação entre oferta e a demanda são responsáveis pela a alocação ótima dos recursos. O Estado não deve interferir nas atividades produtivas sob pena de gerar distorções indesejáveis.
Já a postura heterodoxa sustenta que países em desenvolvimento exigem intervenções de ampla capilaridade no funcionamento do sistema econômico.
A postura moderada defende um procedimento seletivo e temporário nas eventuais intervenções públicas. Nessa linha se raciocínio se insere a política industrial e tecnológica que pode ser entendida como a criação, implementação, coordenação e controle estratégico de instrumentos destinados a ampliar a capacidade produtiva e comercial do setor industrial, com o objetivo de garantir condições sustentáveis de concorrência aos mercados domésticos e estrangeiro.
Estas medidas, embora tenham variado em profundidade e grau, foram muito utilizadas durante o processo de industrialização por substituição de importação. Assim, durante a fase nacional-desenvolvimentista (1950-1980) o Estado atuava na provisão de infra-estrutura de maneira direta por meio de uma série de mecanismos de intervenção na oferta e demanda.
De fato, o Estado atuava na:
- produção e comercialização de insumos básicos (minérios, química, energia, etc.);
- manutenção e intervenções no "sistema de poupança e financiamento" por meio de bancos de investimento e outras agências;
- oferta de serviços e atuação das empresas públicas nas áreas de saneamento, saúde, transporte, telecomunicações, etc.;
- controle de preços e de comércio exterior;
- criação e manutenção de um sistema de concessão de subsídios e isenções fiscais;
- administração da política monetária, cambial (seletiva), fiscal, de preços mínimos, etc.;
- elaboração e execução de políticas industriais e agrícolas ativas; política de comercio exterior, política industrial e agrícola;
- atuava também por meio de outros mecanismos diretos de intervenção (manutenção de estoques reguladores, controle de preços, políticas de controle de salários, etc.).

Este modelo seria totalmente revertido com a abertura e reforma patrimonial pública e privada dos anos 1990. De fato, após o esgotamento do processo de industrialização por substituição de importações houve uma radical mudança no raio de ação governamental. Em parte essa mudança de orientação é resultado da crise fiscal, ajustamento externo, inflação crônica e baixas taxas de crescimento. Após várias tentativas, a estabilização foi implementada à luz da revisão do papel do Estado na economia. Nesse contexto, emergiriam as crenças quanto aos benefícios da liberalização dos mercados as quais foram cristalizadas no Consenso de Washington.

O Consenso postulava que:
- a abertura tende a reduzir as ineficiências estáticas geradas pelo mau emprego e desperdício de recursos;
- tende a reforçar os processos de aprendizado e sua difusão;
- economias mais orientadas ao comércio exterior conseguem enfrentar melhor choques adversos provenientes de fluxos de capital e comércio;
- sistemas econômicos voltados para o mercado mostram-se menos inclinados a atividade com fins rentistas destinando maior volume de recursos à produção;
- o incremento da pressão competitiva gera ganhos de produtividade setorial;
- os persistente déficits comerciais podem ser financiados pela entrada de capital externo.

Nesse contexto, a estabilidade monetária, ajuste fiscal, privatizações e desregulamentação foram perseguidas de forma sistemática dentro de uma estratégia consciente de desenvolvimento econômico. As privatizações nos setores de infra-estrutura vinculariam-se a este novo "modelo de desenvolvimento" de caráter marcadamente ortodoxo, auxiliados pela regulação pública.

CAMPANÁRIO, M. A.; SILVA, M. M. Fundamentos de uma nova política industrial. In: FLEURY, M. T. L.; FLEURY, A. (Org.). Política industrial 1. São Paulo: Publifolha, 2004. v.1: p. 13-45.
Disponivel em:
http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialregulacao/pagina_3.asp

Um comentário: